sábado, 12 de janeiro de 2008

Visões sobre a Paisagem, pelo Prof. Gonçalo Ribeiro Telles

"Nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e em redor das maiores cidades do nosso país, afogando aglomerados urbanos de certa importância, crescem, imparavelmente, conjuntos de edifícios de grande volumetria ocupando, indiscriminadamente, as localizações mais absurdas: leitos de cheia de ribeiras, encostas abruptas, solos férteis.
Os loteamentos que promovem estes empreendimentos assentam num desenho simplista de arruamentos que desconhece as qualidades morfológicas e as marcas culturais do território e é repetido até à exaustão. Trata-se do modelo que apelidamos de «suburbano», que desconhece os valores e a circunstância ecológica do mundo rural.
A localização casuística dos empreendimentos e o alastramento injustificado do espaço que espera ser edificado ou é oficialmente edificável ou prejudica a economia nacional e degrada a própria vida social. Traduzindo-se na destruição de recursos do território, na degradação da saúde física e mental das pessoas, no aumento da criminalidade e da marginalidade social, decadência da cultura e no egoísmo individualista das comunidades, o que se reflecte na vida das famílias.
Paralelamente a este desenvolvimento especulativo do facies urbano, surgem os bairros clandestinos com moradias que, bem depressa, se transformam em prédios, até a rudimentares casas, construídas com restos de demolições.
Espera-se que, no primeiro cartel deste século, mais de 80% da população mundial viva em cidades e aglomerados de características metropolitanas, tanto no mundo considerado hoje desenvolvido, como no chamado terceiro mundo.
Neste último século, grassa a fome, a doença, a poluição, o desemprego e o crime. Sucedem-se inundações e derrocadas, em certa medida, provocadas pela natureza caótica dos aglomerados. As consequências dos sismos são agravadas pela fragilidade das construções. Todos estes factos afectam populações, muito carenciadas, quer económica, quer socialmente. A fuga, para o mundo desenvolvido, das populações marginalizadas à procura de trabalho e de condições mínimas de vida é um dos problemas mais graves a ter em conta na economia e ordenamento do território dos países europeus.
A globalização das economias e as imigrações intercontinentais que tal globalização provoca para se desenvolver estão a tornar as cidades mais desumanas e vulneráveis socialmente.
O avanço tecnológico, verificado nos últimos anos, facilitou as comunicações, generalizou a informação e permitiu um menor esforço físico no trabalho. A abertura de novas infra-estruturas viárias e o desenvolvimento da mecânica na indústria automóvel fizeram diminuir o tempo-distância. Por sua vez, as descobertas no campo da medicina aumentaram, nos países desenvolvidos, a esperança média de vida e permitem uma luta mais eficaz contra as doenças endémicas nas regiões marginalizadas do planeta. Estes factos justificam uma maior mobilidade do trabalho, melhor informação e mais fácil comunicação, o que permite que, em muitos países, as pessoas exerçam simultaneamente mais do que uma actividade ao longo da sua vida.
No entanto, apesar de tais progressos, continua a verificar-se o êxodo das populações dos campos e serras para a cidade e para o litoral, à procura de subsistência, qualidade de vida, trabalho melhor remunerado e perspectivas de vida mais abertas e até ascensão social.
Para tal êxodo, tem também contribuído a decadência da agricultura tradicional. Em muitos casos, a industrialização da agricultura tem provocado a exaustão do solo, pelo excesso de fertilizações e da aplicação de pesticidas químicos, a destruição da compartimentação e da zonagem da paisagem, para dar lugar a extensas monoculturas, quer cerealíferas, quer florestais, que comprometem o equilíbrio ecológico, a estabilidade física do território e diminuem drasticamente a biodiversidade.
A estrutura da paisagem rural que garantia o funcionamento ecológico dos agrossistemas é, por sua vez, sistematicamente, destruída e a agricultura, abandonada. Uma das causas para essa destruição é a proliferação de moradias com jardim e dependências anexas, que aparecem ao longo das estradas, desintegradas dos povoados existentes e de qualquer relação com a ruralidade em que se inserem.
A situação exige uma nova visão da agricultura e do ordenamento, consentânea com as novas relações campo-cidade e com a necessária sustentabilidade ecológica e estabilidade do território. (…)
Há muito que as mais importantes cidades romperam as muralhas que as defendiam e ultrapassaram os limites administrativos e políticos que, em tempos passados, as defendiam.
A cidade, no século XXI, será uma região em que o espaço edificado se tem que compatibilizar com o espaço natural, sem o qual a sua existência, como valor humano, será impossível.
A estrutura ecológica básica constituída, fundamentalmente, por elementos organizados em ecossistemas (espaço natural), deverá conjugar-se harmoniosamente com as áreas edificadas, construídas, principalmente, com materiais inertes (espaço edificado). A estrutura ecológica deverá relacionar os valores e vivências da cidade com os da natureza e da ruralidade.
A estrutura ecológica apoia-se não só na morfologia da paisagem e nas circunstâncias ambientais, como também contribui para responder a muitas necessidades, físicas e espirituais do Homem."


Texto (fragmento) escrito pelo Arquitecto Paisagista Professor Gonçalo Ribeiro Telles para o prefácio do livro "A Arquitectura Paisagista - Morfologia e complexidade (Editorial Estampa, Lisboa, 2001) da também Arquitecta Paisagista Manuela Raposo Magalhães, professora de Ordenamento do Território (I, II e III) no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa.
Penso que a ideia da mensagem que o professor Ribeiro Telles quis passar está bem patente no fragmento de texto apresentado.